Thursday, December 05, 2002

Houve um desabamento, ninguém morreu. As armaduras aladas fazem a diferença. Estamos todos exauridos e mal humorados. Me chamou atenção que uma vila estava enfeitada com os balões de Ragnaziiir. Ficamos mais de uma mês presos no coração da montanha. E ele não batia. Ando desesperado, não consigo imaginar a estratégia dos nossos inimigo, nem para onde teriam levado minha amada esposa.

Preciso comer, é o que Bjorn está me dizendo. Ele sabe que não há como pensar direito com fome. Os dragões estão particularmente tensos e isto pode ficar perigoso. Bom, já vamos comer, vejo as tropas chegando com um javali e algumas presas menores.

Wednesday, October 23, 2002

Acabou o almoço, ou janta, sei lá, nossa refeição. Pelo qua andamos conversando, ainda vai levar alguns dias para vermos o lado de fora da montanha de novo. Espero que os dragões estejam bem, ele precisaram voar para longe com o ataque dos demônios sombra e, ao que parece vamos ficar um mês ou mais separados.
Que dia é hoje? Me sinto como se fossem meses desde a última vez que vi a luz do sol. Luz elétrica, meu computador, dois hambúrgueres alface queijo e molho especial, até o pessoal da redação, tudo me faz falta agora. Estamos há sabe-se lá quanto tempo comendo raízes e cavando um túnel atraves da Montanha do Passo da Morte até chegar aos pavilhões das minas. Finalmente consegui acender uma vela, comer algo que foi assado e escrever um pouco. As pessoas em geral não têm idéia de como táticas de guerrilha podem ser monótonas. As únicas sensações que pudemos experimentar nestes últimos dias foram desconforto, frio e medo. Ainda lembro do rosto retorcido de Fyior guinchando a poucos metros de mim. O pior é que sei que aquilo foi apenas a primeira batalha perdida. A derrota tem um sabor de catarro. Ninguém pensou duas vezes sobre quando chegamos dizimando os krillons arqueiros, mas todos comentam a perda de nosso primeiro homem. Mesmo assim prefiro isto a sentar em uma coletiva com o secretário da fazenda. Deus, eu devo mesmo ter alma de guerreiro ou algo parecido, a morte me parece muito mais matéria de poesia do que, bem, do que o orçamento anual. Talvez aqui eu me lembre do fascínio que os schwartzeneggers exercem na psiché geral do meu distante reino dos humanos, tão envolvidos em seus afazeres e seu efeito estufa e sua macroeconomia que nem percebem que o universo todo está ligado por portais muito mais simples do que nos damos por conta. A terra está tão longe, e ainda assim, tão perto.

Monday, October 21, 2002

Escalamos a Montanha do Passo da Morte. Como pode-se imaginar pelo nome, estou exausto. Não dá para voar por ali e precisamos ficar o máximo em silêncio até encontrarmos esta caverna. Depois da emboscada de ontem, resolvemos chamar menos atenção. Ainda me preocupo com o destino da rainha, mas minha própria segurança é, no momento, mais premente.
Fomos acordados no meio de uma emboscada. Não sei como, mas um grupo de oito demônios sombra parece ter-nos achado. As lâminas negras deles são difícei de ver, ainda mais com a pouco luz da madrugada e foi preciso que incendiássemos ao máximo nossas espadas para que pudéssemos derrotá-los. Perdemos apenas um homem, Fyior, mas sua falta será sentida para sempre. Escrevi esta carta para a família dele,

"Fyior está morto. Morreu como viveu, um nobre guerreiro com uma veloz espada. Foi a primeira linha de defesa quando os Demônios Sombra apareceram em emboscada na tenebrosa madrugada de hoje. Sei que a falta que ele fará ao Reino em nada se compara com aquela que fará a você, cara Sienne, ou aos seus filhos. Sei que em seu coração nobre, vocês continuam juntos assim como sei que seu espírito a visitará no Dia dos Mortos. Saiba que ele se foi salvando a vida de seu Príncipe e que seu sacrifício será lembrado quando esta maldita guerra acabar com a nossa vitória. Humildemente, Principe K."

Sei que nem tudo o que está nela é verdade, mas a viúva não precisa saber que fomos alertados pelos gritos de Fyior ao ser trespassado por uma lâmina negra em seu sono. De certa forma, sua morte acabou mesmo salvando a todos.
Despertei com trovões. Buscamos abrigo junto à umas cavernas, guiados pelo Guará, o lobo mensageiro. Ele explicou a situação da fuga da rainha e precisamos ajustar nossos planos de batalha. Depois do almoço, um pequeno grupo, onde me incluí por razões bem evidentes, pôs-se a voar em busca de algum sinal da minha amada esposa. O sol caiu sem uma sombra de alento extra. Ao menos sei que ela está viva.

Sunday, October 20, 2002

Acordei com os passos cautelosos de um pequeno lobo. Com a mão fechada sobre a empunhadura de minha espada, acompanhei seus passos desviando de nossas armadilhas. Quando estava a poucos centímetros do alcance de minha lâmina, sussurou, Sua Majestade a rainha conseguiu escapar, achei que o senhor gostaria de saber disto meu Lorde, agora volte a dormir, os lobos estão do vosso lado, eu guardarei vosso sono até que sol comece a aquecer o orvalho.

Saturday, October 19, 2002

Descemos com os dragões cuspindo fogo, além de Falcor ainda haviam mais quatro. Pousamos num descampado vários dias de caminhada ao sul do castelo, sobre os cadáveres carbonizados dos krillons arqueiros que nos receberam como krillons arqueiros costumam receber seus inimigos. Bjorn me explicou que uma discussão terrível no Conselho dos Reinos havia deflagrado a guerra. Os demônios resolveram que sua soberamia era afetada pelos termos do tratado de paz e, num ato de supremo desafio, sequestraram meu filho. Fiquei chocado, alcei vôo e chorei junto às nuvens de raiva e desespero, brandi minha espada ao vento até que ela se incendiasse com minha agonia e gritei até que começasse a chover. Voltei a mim e tentei compensar o reino com um arco-iris, embora saiba que é uma recompensa inútil caso tenha destruído alguma lavoura. Bjorn me encontrou ainda no ar e, lá mesmo, com a torre do castelo despontando no horizonte distante, me explicou o plano de resgate que haviam elaborado. Eu viera esperando batalhas campais e meu poderoso exército ao meu lado. Eu errei. O que me espera é pura guerrilha.

Comemos javalis que foram caçados enquanto eu vagava pelas nuvens perdido em meus próprios pensamentos. Não havia tempo para grandes celebrações e o dia foi perdido, se é que se pode dizer isso, em preparaçoes, mapas e estratégias. Montamos o acampamento, armamos uma pequena torre de madeira para o sentinela e perparamos algumas armadilhas nas trilhas da floresta. Pouco antes da primeira lua chegar no centro do céu, uma fada mensageira veio a confirmar que meu filho está a salvo. Com isto, acho que vou conseguir dormir.

Friday, October 18, 2002

Eu discutia com a repórter e a editora-chefe qual a melhor forma de dar um dado no off da matéria sobre o Forum Social Mundial quando ouvi uma explosão. A primeira reação de todos foi pensar em outra bomba no banheiro. algo, no entanto, não me parecia certo, já ouvira aquele ruido antes, o sabia. Foi neste momento que Bjorn, meu cunhado, irrompeu a passos largos envolto por uma longa capa de penas brancas. A estagiária deu um grito. Para a surpresa de todos, inclusive a minha, Bjorn curvou-se a minha frente dizendo, Lorde K., os Reinos estão novamente em guerra e precisamos do senhor.

Os Reinos estão em guerra novamente. ... Aquilo me doeu na alma, por mais que eu saiba que dizer isto seja um cliché horroroso. Foi então que lembrei de onde conhecia o estrondo que ouvira antes, de Antúpfias. Aquele era o barulho do meu honrado general e fiel montaria Falcor. Não que este fosse seu verdadeiro nome, apenas um que dei em honra a um livro que li na juventude, nunca consegui pronunciar uma palavra na língua oficial dos dragões, nem mesmo o nome de um dos meus melhores amigos. E foi seu rosto escamado cor de pérola que vi entrando pela janela para me cumprimentar. E foi a presença dele que me indicou a gravidade da situação em Antúpfia, afinal, ele nunca se havia aventurado pela terra em sua forma plenamente física.

Levantei, olhei Bjorn direto no olho - o que ainda significava olhar para cima - e indaguei-lhe se havia trazido meus trajes de combate. Ele sorriu, assoviou, entraram dois guerreiros, os irmãos Locian e Lutruan carregando o baú entelhado que há tanto tempo eu não abria. Tirei os sapatos e calcei as botas. Coloquei as luvas de couro e as de metal por cima. Os irmão vestiram-me o peitoril alado e me alcançaram espada, adaga e escudo. Quando estava preparado para combate, abri as asas das costas, as dos pés e as do capacete, brandi minha grande lâmina dourada e voei para fora da redação como se tudo já estivesse explicado. Montei sobre a cabeça de Falcor e ele me conduziu em segundos para a serra cobertas de hortências nos arredores da cidade de Gramado. Bom, nós as chamamos de hortências, essas pequenas maravilhas mágicas, mas do outro lado do Portal, são conhecidas como antúpfias. São elas que permitem que se transite entre um mundo e outro. Sem as flores, nada do que estou escrevendo neste diário seria possível.