Saturday, October 19, 2002

Descemos com os dragões cuspindo fogo, além de Falcor ainda haviam mais quatro. Pousamos num descampado vários dias de caminhada ao sul do castelo, sobre os cadáveres carbonizados dos krillons arqueiros que nos receberam como krillons arqueiros costumam receber seus inimigos. Bjorn me explicou que uma discussão terrível no Conselho dos Reinos havia deflagrado a guerra. Os demônios resolveram que sua soberamia era afetada pelos termos do tratado de paz e, num ato de supremo desafio, sequestraram meu filho. Fiquei chocado, alcei vôo e chorei junto às nuvens de raiva e desespero, brandi minha espada ao vento até que ela se incendiasse com minha agonia e gritei até que começasse a chover. Voltei a mim e tentei compensar o reino com um arco-iris, embora saiba que é uma recompensa inútil caso tenha destruído alguma lavoura. Bjorn me encontrou ainda no ar e, lá mesmo, com a torre do castelo despontando no horizonte distante, me explicou o plano de resgate que haviam elaborado. Eu viera esperando batalhas campais e meu poderoso exército ao meu lado. Eu errei. O que me espera é pura guerrilha.

Comemos javalis que foram caçados enquanto eu vagava pelas nuvens perdido em meus próprios pensamentos. Não havia tempo para grandes celebrações e o dia foi perdido, se é que se pode dizer isso, em preparaçoes, mapas e estratégias. Montamos o acampamento, armamos uma pequena torre de madeira para o sentinela e perparamos algumas armadilhas nas trilhas da floresta. Pouco antes da primeira lua chegar no centro do céu, uma fada mensageira veio a confirmar que meu filho está a salvo. Com isto, acho que vou conseguir dormir.

Friday, October 18, 2002

Eu discutia com a repórter e a editora-chefe qual a melhor forma de dar um dado no off da matéria sobre o Forum Social Mundial quando ouvi uma explosão. A primeira reação de todos foi pensar em outra bomba no banheiro. algo, no entanto, não me parecia certo, já ouvira aquele ruido antes, o sabia. Foi neste momento que Bjorn, meu cunhado, irrompeu a passos largos envolto por uma longa capa de penas brancas. A estagiária deu um grito. Para a surpresa de todos, inclusive a minha, Bjorn curvou-se a minha frente dizendo, Lorde K., os Reinos estão novamente em guerra e precisamos do senhor.

Os Reinos estão em guerra novamente. ... Aquilo me doeu na alma, por mais que eu saiba que dizer isto seja um cliché horroroso. Foi então que lembrei de onde conhecia o estrondo que ouvira antes, de Antúpfias. Aquele era o barulho do meu honrado general e fiel montaria Falcor. Não que este fosse seu verdadeiro nome, apenas um que dei em honra a um livro que li na juventude, nunca consegui pronunciar uma palavra na língua oficial dos dragões, nem mesmo o nome de um dos meus melhores amigos. E foi seu rosto escamado cor de pérola que vi entrando pela janela para me cumprimentar. E foi a presença dele que me indicou a gravidade da situação em Antúpfia, afinal, ele nunca se havia aventurado pela terra em sua forma plenamente física.

Levantei, olhei Bjorn direto no olho - o que ainda significava olhar para cima - e indaguei-lhe se havia trazido meus trajes de combate. Ele sorriu, assoviou, entraram dois guerreiros, os irmãos Locian e Lutruan carregando o baú entelhado que há tanto tempo eu não abria. Tirei os sapatos e calcei as botas. Coloquei as luvas de couro e as de metal por cima. Os irmão vestiram-me o peitoril alado e me alcançaram espada, adaga e escudo. Quando estava preparado para combate, abri as asas das costas, as dos pés e as do capacete, brandi minha grande lâmina dourada e voei para fora da redação como se tudo já estivesse explicado. Montei sobre a cabeça de Falcor e ele me conduziu em segundos para a serra cobertas de hortências nos arredores da cidade de Gramado. Bom, nós as chamamos de hortências, essas pequenas maravilhas mágicas, mas do outro lado do Portal, são conhecidas como antúpfias. São elas que permitem que se transite entre um mundo e outro. Sem as flores, nada do que estou escrevendo neste diário seria possível.